Trancoso [Guarda]


Diz-se que o povoamento de Trancoso terá começado por volta do século XIX a.C., baseando-se tal informação na existência de um primitivo castro, inicialmente pastoril e posteriormente defensivo, situado no local onde, mais tarde, se havia de erguer o castelo. Em 301 a.C., chegaram os romanos [1] que aproveitaram e ampliaram o castro, que aí terão permanecido até ao ano 409 da nossa era.
Comumente, existem duas hipóteses sobre a origem do nome Trancoso:
i)                    dos túrdulos;
ii)                  de um enviado da Etiópia e do Egipto, de seu nome Tarracon. Desta [segunda] hipótese terá resultado o nome Trancoso, ou seja, Tarracon à Taroncon à Trancoso.
Outros defendem [ainda] que o nome será o resultado do vocábulo arcaico Troncoso, sítio onde existem muitos troncos ou florestas [2].
O certo é que o nome aparece documentado pela primeira vez, no século X, no testamento de D. Chamoa [ou D. Flâmula ou D. Chama], filha do conde D. Rodrigo, com doação do castelo e dos bens que aí detinha, uma vez que estava na posse de toda a região a sul do Douro [3].
Trancoso foi, em 1059, libertada do poder dos árabes para, por bula de 8 de setembro de 1148, o papa Eugénio III confirmar ao arcebispo de Braga, D. João Peculiar, a posse, entre outras terras, do território de Trancoso. Finalmente, D. Afonso Henriques pelejou-a, contra os mouros, entre 1140 e 1155, encheu-a de privilégios, atribuindo-lhe o seu primeiro foral e doando, em 1173, à Ordem do Templo, o castelo e todos os seus domínios.
Em 1217, D. Afonso II, por carta régia, confirma tais privilégios e regalias e, em 1270, D. Afonso III cede por 600 libras anuais os seus direitos sobre a localidade, o que mostra, com evidência, o valor já assumido pela povoação.
É, contudo, com a escolha de Trancoso para celebrar o seu casamento com D. Isabel de Aragão, que D. Dinis confirmará a sua importância, concedendo-lhe o direito de mudança da sua feira franca instituída por seu pai, D. Afonso III, em 1306, para a periodicidade mensal, em vez de anual e dilatando-lhe a duração para três dias.

O castelo tem traços do estilo românico e gótico, compreendendo cinco torres quadrangulares. A torre de menagem, de planta quadrada, tem uma curiosa configuração piramidal. A cintura muralhada que abraça a povoação é rasgada por cinco portas e dois postigos [4].
À [chamada] porta do Carvalho, também conhecidas por do Cavalo, encontra-se ligada a lenda de João Tição da Fonseca:
Sem conhecermos mais gordo João Tição da Fonseca, tão só pelo retrato sumamente adulterado da lenda, não nos parece curial deixar passar em falso o seu presumível feito, nem tampouco, a sua descrição física que, quiçá fantasiosa, pecará por defeito, que não por excesso.
O Tição devia ser um jovem e valente guerreiro, hercúleo, de ombros largos e peito em arco, daqueles homens talhados em granito que dariam dois se fossem partidos ao meio.
Em dia melancólico, olhando os longos desertos e a presença incomodativa dos mouros que faziam demorado cerco à praça de Trancoso, o guerreiro magicou sobre o meio de sair montado no corcel e correr de jau para jales em desafio à moirama excomungada.
Enquanto a maioria dos do castelo se baldeava no sono, numa sinfonia de roncos, assobios e arfares de duvidosa partitura, João Tição resolvera matar o tédio dos dias de clausura forçada. Causava-lhe certo engulho ver enferrujar na bainha os gumes da sua espada.
Saiu do castelo pela calada da noite, apenas pressentido por lobos e avejões, catrapus catrapós sobre o cavalo, direitinho ao arraial dos agarenos que, a uma légua do castelo, ferravam o galho em sonhos de princesas em trajes sumários e haréns recheados.
Com uma certa temeridade e outra tanta dose de loucura, conseguiu ludibriar as sentinelas e, penetrando no acampamento, apoderou-se da bandeira do crescente que espanejava sobre uma tenda. Refreando os ímpetos de espezinhar ali mesmo o guião, montou no cavalo e partiu em desfilada de regresso ao castelo, levando desfraldada ao vento a sua vitória.
Porém, um homem excluído da beatitude de sonho embalador, deu conta da marosca e alertou os dorminhocos, mau grado ter preparado os ouvidos para ouvir impropérios onde não era mencionado o nome de Alá. Feridos na soberbia, os mouros zarparam em perseguição do atrevido. Montados em fogosos e descansados puros-sangue de raça árabe, depressa diminuíram a distância que os separava do fugitivo. Este, presumindo as portas a Nascente abertas, para aí fez colear o cavalo. Porém, as sentinelas, vendo aquele vulto com bandeira moura estadeada, não abriram uma nesga.
Logo que ciente da situação, o cavaleiro deu uma palmada na garupa do cavalo e gritou:
- Salta, cavalo! Morra homem, fique a fama!
Morreu o homem e ficou a fama. Rebentou o cavalo e, ali mesmo, foi trucidado pelos inimigos. A bandeira fora arremessada pelo herói para dentro das muralhas. Com grande espalhafato de armas e celeuma de vozes, os mouros foram impotentes para recuperarem o galardão. Apenas levaram para a sua terra a lição de coragem que lhes servira o João Tição da Fonseca [5].

Antigamente designada por Igreja de Santa Maria do Sepulcro [ao que se sabe, nome atribuído pelos Templários] e Senhora do Pranto [a seguir à tomada de Ceuta, em 1415], só em 1663 recebeu o [seu atual] nome de [igreja de Nossa] Senhora da Fresta. Datada dos finais do século XII [a igreja] foi erguida sobre uma outra, anterior ao ano de 992. D. Afonso Henriques mandou-a reconstruir e entregou-a, em 1162, à Ordem do Templo. A sua traça romano-gótica permaneceu até ao século XVIII. Tem inscrições e frescos [pintados em 1162] nas paredes, no arco triunfal da capela-mor e na pia baptismal, romântica. A sacristia foi-lhe acrescentada, por promessa, em 1664.

            Escusado será dizer que [Trancoso] é a terra do [famigerado] sapateiro [Gonçalo Annes] Bandarra.


[1] Antes deles e, durante cerca de trezentos anos, lá estiveram os cartagineses.
[2] Trancoso, nos seus primórdios, estava rodeada de densas florestas e, ainda hoje, é viveiro de árvores de grande porte.
[3] Herdada em 960.
[4] As d’El-Rei, a de São João, as do Prado e a do Carvalho e a da Traição. A estas juntavam-se os postigos: Olhinho do Sol e o Boeirinho.
[5] Santos Costa, Almanaque anuário de Trancoso.

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