Águas Belas [Ferreira do Zêzere, Santarém]


A primeira referência que se conhece mencionando Águas Belas data de 1159, quando D. Afonso Henriques doa a região à Ordem do Templo. Em 1190, é D. Sancho I quem cede a Pedro [Pero] Ferreira, fundador de Ferreira do Zêzere, uma herdade que este povoou e que, mais tarde, viria a constituir o morgadio de Águas Belas.
Aliás, a Pedro Ferreira e a sua mulher, Maria Vasques, se deve a primeira carta de foral da povoação então designada de Vila Ferreira ou Abas de Aquabela.
Em 1319, pouco após a extinção da Ordem do Templo, estes territórios passam para a posse da Ordem de Cristo e, em 1356, é instituído o morgadio de Águas Belas [1], na pessoa de D. Rodrigo Álvares Pereira [2], irmão do célebre condestável. D. Manuel [I] outorgou-lhe foral [novo] em 1513 e D. João III, em 1531, elevou-a à categoria de vila.


[1] Dom Pedro pela graça de Deus Rei de Portugal e do Algarve. A quantos esta carta virem faço saber que Álvaro Fernandes escudeiro meu vassalo tutor de Rodrigo Álvares e de Pedro Álvares e de Diego Alvares criados do prior do Hospital me disse que ele e Gomes Martins do monte outrossim meu vassalo e João Afonso natural de Sevilha fizeram doações de parte de seus bens aos sobreditos cujo tutor ele é como se contém em escrituras públicas de tabeliães que tais são. Em nome de Deus amém saibam quantos esta carta de doação e de ordenação e de morgado virem que eu Álvaro Fernandes escudeiro vassalo do infante D. Pedro dou e outorgo por juro e herdade para sempre a vós Rodrigo Álvares filho de D. Álvaro Gonçalves de Pereira as minhas quintas de Águas Belas e de Vale de Orjaes com todas as herdades também de pão como de vinho assim arrotas como por arromper e com todos os casais e matas e defesas e com todo o senhorio e couto e honra e jurisdição e padroado da igreja de Santa Maria do dito lugar de Águas Belas e com todas as entradas e saídas e divisões e com todos seus usos e direitos e coisas e pertenças que às ditas quintas pertencem de direito e de facto também nos termos e divisões das ditas quintas como fora deles. E esta doação e ordenação faço por esta guisa que depois da nossa morte fiquem as ditas quintas e as coisas sobreditas ao primeiro filho lídimo que houverdes e assim fique sempre ao maior filho daqueles que de vós descenderem lidimamente. E quando hi houver filho lídimo a filha lídima não possa herdar como quer que maior seja. E quando hi não houver filho lídimo que então fiquem as ditas quintas e casais e pertenças delas e senhorio e jurisdição e padroado a Pedro Álvares irmão do dito Rodrigo Álvares e aos seus filhos e aos descendentes deles pela guisa que dito é de Rodrigo Álvares. E não ficando filhos lídimos do dito Pedro Álvares que fiquem a Diego Álvares e daí em diante fiquem pela linha direita aos descendentes dele. E se hi não houver descendentes fiquem a seus irmãos que venham da parte do dito D. Álvaro Gonçalves padre do dito Diego Álvares e haja os para sempre uma pessoa por morgado pela guisa que dito é de Rodrigo Álvares e de seus descendentes. E quando estes susoditos não houverem filhos lídimos que então as filhas maiores possam herdar assim como dito é dos filhos maiores lídimos e assim os seus descendentes deles. E ficando estas pessoas susoditas extintas e os descendentes delas que então fiquem as ditas quintas e casais e jurisdição e senhorio e padroado e pertenças delas ao Hospital de Santa Maria de Flor da Rosa. E esta doação vos faço por muito bem e muita mercê que me fez vosso padre e aqueles donde vindes e dou e outorgo eu dito Álvaro Fernandes a vós dito Rodrigo Álvares quer a vosso tutor ou criador poder cumprido para entrardes em tença e a posse das ditas quintas e coisas susoditas sem outorgamento de juiz ou doutra pessoa qualquer e sem outra nenhuma figura de juízo. E sobre tudo isto prometo e outorgo que esta doação e ordenação e morgado vá sempre por firme e estável e que nunca contra ela venha por nenhuma maneira a….damente que nunca a revogarei ainda que depois fizerdes ou disserdes algumas das coisas que dizem as leis por que as doações podem ser revogadas. E todas estas coisas e cada uma delas prometo por mim e por meus herdeiros de guardar e cumprir e de não vir contra nenhuma delas sob pena de quatro mil libras a qual pena pagada ou não a dita doação ordenação fique sempre firme e valedora feita a dita carta em bom jardim termo da Sertã seis dias de Setembro era de mil trezentos e noventa e quatro anos [ou seja, 1356].
Testemunhas: frei João Fernandes comendador da Flor da Rosa e João Afonso e Vasco Rodrigues e Gomes Martins escudeiros do prior do Hospital e outros. E eu Domingos Vicente tabelião de nosso senhor El-Rei na Sertã a isto presente e rogado fui e a mandado e outorga do dito Álvaro Fernandes esta carta da dita doação e coisas escrevi e meu sinal aqui fiz que tal é.
E para as ditas doações serem firmes e estáveis para sempre e não poderem ser desfeitas nem revogadas pediu-me por mercê o dito Álvaro Fernandes como tutor dos ditos moços e em seu nome deles que lhas confirmasse e outorgasse as ditas doações como em elas é conteúdo e lhes mandasse dele dar minha carta. E eu vendo o que me pedia e querendo fazer graça a mercê aos ditos Rodrigo Álvares e Pedro Álvares e Diego Álvares de minha certa ciência e de meu poder absoluto outorgo-lhes e confirmo as ditas doações que lhes assim os sobreditos Álvaro Fernandes e Gomes Martins e João Afonso fizeram das ditas quintas e coutos e honras e pertenças e direitos delas e as hei por firmes estáveis para sempre pela guisa que lhes pelos sobreditos foram dadas e outorgadas e é conteúdo nas ditas cartas das ditas doações. E se nas ditas doações e em esta minha carta de confirmação falecem algumas clausulas que de direito e de costume aí devessem ser postas para as ditas doações serem valiosas e estáveis eu as hei aqui por postas e escritas. E quero e mando que lhe não possa porem de fazer nenhum prejuízo. E que valham e sejam firmes e estáveis para sempre sem outro nenhum valimento. E em testemunho disto mandei dar aos sobreditos Rodrigo Álvares e Pedro Álvares e Diego Álvares esta minha carta selada do meu selo de chumbo dada em Elvas XX de Maio El-Rei o mandou por Lourenço Esteves seu vassalo Vasco Anes a fez era de mil trezentos e noventa e nove anos [isto é, 1361]. [Chancelaria de D. Pedro I, Livro 1, fl. folha 53v. Vide António Baião, A vila e concelho de Ferreira do Zêzere, pp.64-66]
[2] D. Rodrigo Álvares Pereira, legitimado pelo Rei D. Pedro a 26 de Agosto de 1357, foi constituido pelo seu tutor, Álvaro Fernandes, escudeiro do Infante D. Pedro, a 6 de Setembro de 1356, morgado da Quinta de Orjais e de Águs Belas (Ferreira do Zêzere), com todas as dependências, senhorio, couto, honra, jurisdição e padroado da igreja. A instituição do morgado de Águas Belas viria a ser confirmada por D. Pedro, a 20 de Maio de 1361.
Acrescem ainda outros senhorios que lhe foram doados, agora por D. Fernando, a 14 de Dezembro de 1375, como as vilas de Sousel, Vila Nova, Vila Ruiva, e as azenhas de Anhalouro e de Bamlhequero, no termo de Estremoz.
Relativamente a Águas Belas o mesmo atesta o excerto seguinte: “A história desta localidade anda de braço dado com a da fundação da nacionalidade e com as principais famílias do Reino, daí que num documento datado de 1222 encontramos já uma referência, quiçá a mais remota que se conhece, a "abas de aquabela" o que nos permite concluir não só da antiguidade deste povoado como da existência de um representante do clero nos seus limites geográficos.
Já no século XIV, mais concretamente em 6 de Setembro de 1356, El Rei institui um Morgado de Aguas Belas entregando-o ao fidalgo Rodrigo Alvares Pereira, irmão daquele que viria mais tarde a ser o Condestável do Reino e filhos ambos de Alvaro Gonçalves Pereira.”
Ora, D. Rodrigo torna-se assim o primeiro senhor de Águas Belas; sucedendo-lhe depois Álvaro Pereira, Galiote Pereira, João Pereira, Rui Pereira, sendo posteriormente integrado na Coroa, uma vez que Rui Pereira não teve descendentes. Todavia, Violante Pereira contesta esta decisão, tendo ganho a posse do morgado de Águas Belas que passou para as mãos de seu filho. Violante Pereira havia casado com Francisco Sodré, que viria a morrer na Índia. Deste casamento advém o nome dos Sodré Pereira, que continuaram a ser os senhores de Águas Belas.
D. Rodrigo, que lutou ao lado de D. João I, o Mestre de Avis, na defesa de Lisboa contra os castelhanos e no cerco de Torres Novas, viria a ser aprisionado na sequência desta última batalha, e libertado em Santarém, quando esta cidade voltou à posse de Coroa Portuguesa. Todavia, fruto de algumas «desinteligências», viria a morrer em Castela, perdendo algumas mercês.
Ora, aqui está toda uma realidade histórica que religa a minha «pátria» à memória da família Álvares Pereira. Desde miúdo ouvia falar da Quinta dos Pereira, na chamada Águas Belas velha, sem saber deste relacionamento familiar.
Aqui está também uma razão, que por si só, legitima esta vontade indómita de participar na canonização de D. Nuno. Certamente acrescida de muitas outras: a sua santidade - deste santo Português -; a sua íntima relação com nossa identidade; a sua capacidade de se desprover de tudo para abraçar o “bem maior”; e, mesmo, a sua relação com a Ordem do Carmelo, que me faz ligá-lo espiritualmente àqueles que, mais tarde, apenas no século XVII, povoaram e renovaram a bela Mata do Buçaco - a Ordem dos Carmelitas. Por tudo isto, participar num momento tão significativo da nossa memória, da nossa identidade e da nossa espiritualidade, torna-se para mim um dom. [aqui]

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